Sadismo Humano no Cotidiano
Alexandre Sant’Anna
Terceiro dia de trabalho, eu não escrevi sobre os outros dois, pois achei minha rotina tão monótona e insignificante que nem perdi tempo. Entro cansado no “Busão”. Tentei conversar com Nietzsche, mas meu vigor não foi suficiente para entender todas as passagens. Guardo o livro e me viro para o nada, pois mesmo que visse alguma coisa, ignoraria totalmente, de tão cansado que estava.
Após apoiar a cabeça na janela, percebo um pequeno tumulto na frente do ônibus, mas as listras da estrada eram mais atraentes, pareciam querer levar a algum lugar, que eu buscava muito, foi então, quando o ônibus reduziu a velocidade, que notei que tal lugar desejado era apenas a minha casa.
Logo percebi que o alvoroço e a quase parada do ônibus acontecia por causa de um acidente que havia ocorrido há pouco tempo. Porem o acidente não atrapalhava o tráfego no nosso lado da pista, o fato é que, não só os passageiros, mas também o motorista e o trocador estavam muito curiosos sobre o que acontecera.
Na hora, observando os passageiros desconfortavelmente em pé esticando seus pescoços e se debruçando para tentar enxergar algo, me senti em uma “excursão das fatalidades cotidianas”. Os olhos de todos se concentravam para que nada passasse sem suas averiguações, de forma que, nenhum detalhe fosse perdido e, como um último suspiro intelectual devido ao meu cansaço, recordei-me de situações semelhantes e tentei encontrar o porquê dessa reação.
Primeiro cogitei a possibilidade de ser apenas curiosidade, relembrando de fatos, notei que, quando não ocorre nada de grave com os envolvidos em acidentes, a “plateia” sai indignada como quem diz: “Só isso?”. A decepção é tanta que as pessoas se arrependem por terem se levantado “por nada”. Deveria ser algo mais profundo do que uma simples curiosidade, talvez preocupação. Mas então, ver a pessoa acidentada em bom estado seria motivo de alegria, não de decepção.
Eu era o único sentado e não demorou muito para que a imagem do sangue chegasse aos meus olhos, de longe, mesmo sem ter procurado, volto a me fixar nos passageiros tendo como resultado uma ultima reação em suas faces que me fez entender o que se passava, me senti como se estivesse lendo o pensamento de todos.
A expressão facial de todos, era aquela de nervoso e ânsia ao ver um ferimento grave, porém com um pouco de pena e sofrimento, pois seria isso que eles deveriam demonstrar para constatar em público a sua humanidade. Mas lembrando do que eu acabara de pensar, pude entender suas emoções como a de satisfação. Uma satisfação altamente sádica ao ver um igual sofrer, como se todos dissessem: “Esse se deu mal!” ou “Que bizarro, está todo quebrado!”.
A poça de sangue passa à frente dos meus olhos, que já olhavam naquela direção devido ao posicionamento da minha cabeça e não ao interesse na “notícia”, mas, para agradar os sádicos que possam vir a ler as minhas baboseiras, vou ressaltar que junto ao sangue havia também órgãos e miolos espalhados pelo chão.
O povo senta saciado, o ônibus acelera e antes de cochilar eu penso: “Ainda bem que pedi à empregada para fazer rabanada, estou com muita preguiça de esquentar a comida...”. Mas não cochilei, peguei o caderno e minha caneta e aqui estou eu, me sentindo com toda certeza, o mais sádico dos sádicos.
Araruama - 17/04/2008
segunda-feira, 7 de dezembro de 2009
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